O Mito da Reconquista Íberica
Com base nos textos de José Antonio Maravall, Franco Cardini e Adelaine Rucquoi, poderá ser analisada as visões que esses autores constroem sobre o que muitos historiadores chamam de “reconquista” por parte dos povos cristãos, no caso o povo espanhol sob os povos de origem islâmica. É necessário que se contextualize a luta territorial de cristãos e muçulmanos, que durante cerca de oito séculos um processo de dominação dos árabes sobre a península ibérica, mas é preciso lembrar que os visigodos espanhóis que mantinham suas relações de poder no território, antes da chegada e tomada da península pelos árabes, nesse sentido os godos tentaram manter a questão de romanidade viva em sua cultura, porém havia sido dificultada em meio ao avanço do Islã na localidade, contudo permaneceu.
Segundo José Antonio Maravall, em
seu texto - El concepto de España en la Edad Media - diz que: “(...) ninguno de
los outros pueblos germánicos occidentales realiza tan cunplidamente la idea de
continuación de la romanidad como los visigodos espanõles y porque en España
las condiciones de vida que habia subsistido hasta entonces sufren tan honda
pertubación por obra del avance del Islam” (Página 250). Ao longo dessa sua
obra, Maravall utiliza a tese de Pirenne para fundamentar o motivo da não
aceitação da dominação islâmica por parte dos nativos, que absorveram a invasão
dos godos, e esses indivíduos foram romanizados, mas devido a essa romanização e a não terem nada que fosse de oposição a essa cultura romana, os indígenas
tiveram um conflito com a cultura islâmica, pois eles (árabes) acabariam por
trazer uma nova cultura e uma nova religião, que ocasionou numa resistência.
A visão dos visigodos sobre os árabes tem uma conotação de invasão injusta e que esse povo não poderia alcançar uma legitimidade sobre o domínio da Espanha, nesse momento surgirá, pelo menos para Maravall, o sentimento de expulsão dos muçulmanos da terra que lhes pertencia, como os godos pensavam, e 'restaurar' seu domínio, gerando com isso o que denominamos como Reconquista. Menendez Pidal, citado por Maravall em seu texto - El concepto de España em la Edad Media- na página 253, assinalava três fases do desenvolvimento da “Reconquista” que são: Em primeiro lugar, a ação repovoadora de terras abandonadas - interrompidas por incursões mouras, que se prolongam até o ano de 1002 (fechado com a morte de Almanzor); em segundo, uma ação do domínio politico e econômico por via do protetorado - segundo o sistema da época que se chamavam de parias, que se manteve até fins do século IX - e em terceiro, a conquista militar de terras - que culmina no século XIII, com a conquista de Córdoba, Sevilha, Niebla, Valencia, Murcia deixando tão somente o epílogo granadino.
Maravall continua seu texto, discutido as
relações íntimas da península onde ele trata de assuntos específicos de cada
região, além da formação de uma tese chamada de reconquista, a partir de uma
visão mais política do tema. Porém, poderemos ver a utilização de Maravall da tese
de S. Albornoz de que houve uma renascença da população goda que suprimiria a
dominação muçulmana na península. Devido as construções e as crenças
historiográficas espanholas, que perduram até os dias hoje, o termo reconquista
foi ganhando força devido não considerarem as relações de trocas culturais de
árabes e peninsulares, por haver um certo tipo de resistência por parte dos
nativos romanizados, desse modo fica claro quando nos deparamos com textos de Américo
Castro dizendo que quando consideramos, apenas as realidades históricas
anteriores a da dominação árabe, sendo tratadas exclusivamente como espanhola
estamos deixando de lado a importância dos árabes como contribuidores para a formação
da Espanha.
Enquanto Maravall conceituava e
tratava da formação do termo reconquista, o autor Franco Cardini trabalha em seu texto - Nas
raízes do encontro-desencontro entre Europa e Islã: Um Profeta e três
continentes - onde ele aborda questões ligadas às diferenças e formas de
inteiração ou desintegração da Europa com o Islã. Podemos utilizar Cardini,
para fundamentar as questões supracitadas, pois é justamente devido aos conceitos e características usados que entravam em colisão, pois os cristãos da idade média pensavam de uma forma
e Islâmicos pensavam de outra.
Cardini em seu texto - Nas raízes do encontro-desencontro entre Europa e Islã: Um Profeta e três continentes - diz que:
“A Plurissecular história do Islã conheceu, como sabemos, somente breves e raros momentos de efetiva unidade, diferentemente do que se observou durante a Idade Média, quando se tendia a perceber com aquela que não existia entre os cristãos, mas que todos concordavam que deveria haver. (...) o preconceito dos europeus da Idade média era quase justificável – por causa de uma coincidência - quando se considera a história da expansão islâmica na primeira metade do século VII” (Página 49).
Esse recorte, acaba nos esclarecendo um conceito de suma importância para que haja a formação de um povo culturalmente ligado entre os indivíduos, que seria o conceito de unidade baseado em indivíduos inteiramente “ligados” tanto por uma forma social, religiosa ou política. Que muita das vezes não foi possível alcançar durante a idade média nem por árabes e nem por cristãos, Segundo Rauol Girardet em seu livro – Mitos e Mitologias Políticas- em seu capítulo dedicado a unidade, o autor diz: “Mas vontade de reunião, de unificação, de eliminação de todos os fatores individuais ou coletivos de diversidade, de não-conformidade: a festa deve apoderar-se da totalidade da existência de cada um para levá-lo a perder-se na imensidão do fervor coletivo.”( Pág 149). Fica evidente que as concepções de unidade partem do pressuposto de que aquilo que é culturalmente, socialmente e juridicamente mais aceito pela maioria dominada gera união, fazendo com que a minoria resistente as tendências majoritárias sejam marginalizadas, como acabariam ocorrendo na Espanha com Judeus e Muçulmanos.
Pode-ser visto que as teorias sobre
reconquista surgem a partir da necessidade da auto-afirmação dos peninsulares
convertidos ao Cristianismo de tentarem dominar ou retomar as “porções” de
terra, que segundo esses nativos e seus dominadores pertenceriam a eles. A historiadora
Adelaine Rucquoi tenta abordar em sua obra as questões relacionadas à formação
e desintegração da realidade hispânica e tratar questões relacionadas a
reconquista, além de detalhar a formação do império espanhol, ascensão e queda
da nobreza, dentre outros detalhes que se tornam cada vez mais específicos ao
decorrer da escrita. Adelaine Rucquoi em sua obra - História Medieval da
Península Ibérica- em seu capítulo sobre
desintegração da realidade hispânica- nos traz como ocorreu a chamada
reconquista: “A Reconquista apresenta-se, pois, como um empreendimento coletivo
capaz de, nos momentos de crise grave e apesar das dissensões internas entre os
reinos, aglutinar em torno de um comando único todos os cristãos do Norte da
península”(Página 171) isso demonstra a capacidade com que a busca por uma
unidade entre povos hispânicos fazia para que esse território pudesse voltar as
mãos dos povos cristãos.
Após muitas divisões e detalhes escritos por Rucquoi, ela chega no princípio que regeria toda a luta pela retomada territorial espanhola, segundo a autora, o poder dos príncipes hispânicos provinha de uma missão especial que tinha relação com o divino, que seria a de retomar a península e depois da-la a cristandade, os reis eram justificados por essa tarefa, com isso a extensão territorial das terras retomadas dos muçulmanos constituía apenas as provas da sua submissão a Deus e ao seu mandamentos. Adelaine Rucquoi relata, em seu texto - História Medieval da Península Ibérica - que :
“A guerra contra o infiel, a reconquista, que se torna uma guerra santa a partir dos fins do século XI, é uma REALIDADE e tem uma história. Mas foi igualmente um MITO em que se baseou a justificação do poder dos reis e tem uma função unificadora. Para além das diferenças e das rivalidades, das guerras entre Portugal e Castela, entre Castela e Aragão ou Navarra, para além ainda da flutuação das relações de uns e outros com o reino de Granada, todos os cristãos do Norte da península se identificavam na luta contra o Islão, participando de um mesmo projeto militar, religioso e econômico, projeto existencial que se tornou essencial” (Página 216)
Ou seja, a reconquista é considerada um
paradoxo, haja vista que ela passa a ser
uma realidade quando se torna uma guerra santa, contudo continua a ser um mito
pois se baseou na justificação do poder real e de sua função de unificação,
entre todas as diferenças regionais a reconquista fez com que regiões divididas
por motivos próprios, se unissem para que lutassem contra um inimigo em comum :
os árabes.
Bem uma das formas para que soldados
fossem a guerra era por forma de indulgências que Adelaine Rucquoi classifica em seu texto
-História Medieval da Península Ibérica- como : “As indulgências atríbuidas à partida em cruzada podiam ser ganhas no lugar, e aqueles que perdiam a vida
durante as campanhas contra os infiéis tinham o paraíso assegurado, pois,
tratando-se de uma guerra santa, beneficiava de uma justificação importante”
(Página 217), toda essa argumentação era para que gerasse uma adesão popular
dos nativos hispânicos, para que eles mesmos pudessem expulsar os islâmicos da
península Ibérica, usando um discurso religioso cristão que continha muita das
vezes o aval do Papa, porém quando se iniciou as Cruzadas do ano 1102, o papa
Pascoal II assimilou a reconquista com a cruzada e proibiu o ataque da Espanha
contra os infiéis em Terra Santa.
Durante todo o texto, analisamos a
construção das diferença dos autores em suas teses, ao falarem sobre o que
de fato é a reconquista, um autor diz que o sentido da tentativa de expulsar
árabes da península se deve pelo fato de os nativos iberos resistiram a um
processo de “dominação cultural e religiosa” islâmica, pelo fato de haverem
tido contatos com os romanos, enquanto o outro autor enxergava que a partir do
sentimento de unidade coletiva teria sido um fator ocasionador dessa reconquista, pois fazia
com que os espanhóis cristãos tentassem formar uma coletividade, se é que
podemos dizer esse termo, mas é o que se
encaixa melhor, padronizada por leis jurídicas, sociais e religiosas que seriam
redigidas a todos, e os que não cumprissem seriam excluídos do meio social. A última autora relaciona as questões da reconquista com o poder dos príncipes
hispânicos que provinha de uma missão especial advinda de uma divindade, nesse
caso o Deus cristão, esse rei seria responsável pela tomada do território que
estava pertencendo aos árabes, e depois deveria ser devolvido a Cristandade.
Logo, existe uma construção sobre a ideia da reconquista, sendo baseada na visão espanhola das questões, onde podemos citar o caso da mesquita de Córdoba, mesquita essa que passou a ser de
propriedade da Diócese da cidade, em Março de 2006, porém essa Cadetral/Mesquita
desde 1882 é Monumento Nacional e desde 1984, Patrimônio cultural da
Humanidade, e a discussão que isso envolve, no pano de fundo tem luz na visão de uma guerra santa, pois acaba gerando uma busca
para tentar descobrir quem construiu a mesquita – isso remete, mesmo que de
forma inconsciente a idade média espanhola -
primeiro, se foi cristão ou se foi muçulmana? Tudo que é possível verificar é que em
1236 o rei Fernando III converteu-a em igreja. Apesar dessas tentativas de descoberta, não ocorre um reconhecimento maior da presença muçulmana no local, a igreja até reconhece que houve a presença de árabes, entretanto não buscam aumentar esse reconhecimento, e essa discussão feita no Jornal Espanhol "El
País". Isso nós aponta, que toda essa discussão resume-se a um conceito que chamado reconquista e que precisará aprender a
reconhecer as heranças dos povos islâmicos ou nativos que de alguma forma acabaram sendo deixadas lá, seja como
vestígios arqueológicos ou por idéias.
Bibliografia:
JORNAL EL PAÍS. "As grades da discórdia da Mesquita de Córdoba" - Disponivel em <https://elpais.com/politica/2015/07/21/actualidad/1437499683_676703.html> acessado em 30 de Agosto de 2020
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995.

Texto incrível!
ResponderExcluirObrigado!
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