O movimento jovem do espiritismo: uma breve análise.

 

Denizard Custodio[1]

 

Resumo: Este trabalho tem como objetivo expor resultados de um pequeno estudo de um tema pouco explorado no âmbito antropológico, os jovens espiritas. Através de uma entrevista, abordou-se temas recorrentes e polêmicos que envolvem o espiritismo. Foram entrevistados ao todo 12 jovens, uma amostra bem pequena, mas que tiveram resultados curiosos. Assim, almeja-se contribuir para as áreas de “antropologia da religião” e “antropologia da juventude”. Este artigo foi utilizado como trabalho final da disciplina Tópicos especiais em Ciências Sociais II, em 2018, na UFRRJ. Por esse motivo, inicia-se com uma breve introdução ao campo do espiritismo para após então expor os resultados obtidos nas entrevistas.

 

Palavras-Chaves: Espiritismo; Juventude; Religião; Politica; Aborto.

 

Primeiras palavras

A escolha do tema desta etnografia foi concebida após uma das aulas da disciplinaTópicos especiais em Ciências Sociais II – Religião e política no Brasil contemporâneo”, onde chegou-se à conclusão de que há uma falta de estudos ou um não-interesse em pesquisar a juventude espirita, como explicarei melhor mais à frente. Então partindo do fato de que tinha acesso a esse público, por ter feito parte dele há pouco tempo atrás desta religião[i], decidi me empenhar em fazer uma breve pesquisa, buscando os principais temas estudados por acadêmicos do espiritismo e ver a reação da juventude espirita diante deles, privilegiando quais são as opiniões desses jovens sobre certos pontos que achei relevantes, analisando os principais artigos sobre a “doutrina”.

A juventude espírita me chamou atenção, pois esse assunto não interessa tanto os antropólogos quanto as outras juventudes, de outros grupos religiosos[ii]. Além de que os autores das ciências sociais que estudam o espiritismo, se debruçam sobre as outras temáticas alheia a esse público, como por exemplo nas pautas e discussões político-sociais do espiritismo no Brasil (como a assistência social ou a medicinal, por exemplo) ou na história do espiritismo no Brasil. E nunca se vê o espiritismo em movimento ou se modificando, tratam o espiritismo então como algo congelado, estático, resolvido. Então o que melhor do que uma nova geração para se avaliar essa rigidez atemporal? Parti, portanto, para uma etnografia em forma de entrevista com jovens espiritas.

 

Área impuramente acadêmica

Devido a essa apresentação, obviamente não poderia deixar de fora a clássica, mas sempre útil declaração que Flavio Pierucci nos legou, afirmando que a sociologia da religião aqui no brasil é uma área impuramente acadêmica. O autor diz isso analisando 25 anos de estudos da ciência social voltados para religião. A sua conclusão é a de que aqui no Brasil a ciência e a religião teriam “fronteiras borradas” e de que isso atrapalharia o fazer ciência da religião aqui, já que pragmaticamente, poderíamos separar os pesquisadores em duas categorias: os provenientes do campo religioso que carregam suas convicções para a pesquisa, e os “profissionais da ciência exclusivamente vocacionados para a ciência” (Pierucci, 1999, p.247). Não havendo um perfil decente para a pesquisa, sendo sempre enviesada.

Aqui não iremos nos estender sobre, já que essa foi somente a forma que encontrei para esclarecer que talvez minha origem, vinda da religião, faça com que o estudo apresente vieses. Mesmo que isso não seja problema para o autor, já que ele diz que estes vindos do campo religioso, “praticam competentemente e em alto nível quer a antropologia quer a sociologia da religião” (Pierucci, 1999, p.247).

Vale ressaltar que que há no brasil há “fronteiras borradas” entre a ciência e religião, questão essa que, é muito bem ilustrada por nosso verdadeiro foco nesse estudo, o espiritismo.

 

O que é espiritismo?

       Um pequeno histórico da doutrina.

 

Antes, porém é necessário ressaltar que estamos em um campo delicado. Giumberlli (1997) diz que que após generalizações e simplificações populares o termo “espiritismo” é ligado “a qualquer ideia ou prática que recorra à noção de ‘espíritos’ e da sua intervenção no mundo cotidiano”. Mesmo que isso tenha ocorrido à contragosto dos espiritas, já que esses defendem (ou defendiam, como veremos à frente) que o termo só poderia ser usado por adeptos do espiritismo. “Logo falar de “espiritismo” é, então, sempre dizer muito” (Giumberlli, 1997).

Após essa consideração, podemos focar em que consiste esse tal de espiritismo. Espiritismo é uma doutrina que foi revelada pelos espíritos, através de médiuns, e organizada (codificada), por um educador francês, conhecido pelo pseudônimo Allan Kardec, cujo atendia pelo verdadeiro nome de Hippolyte Léon Denizard[iii] Rivail.

Nesta doutrina aceita-se como normal a comunicação com os mortos (ou espíritos) por meio dos médiuns, que são simplificadamente, humanos que possuem mediunidade “ostensiva” ao ponto de servirem ao propósito do nome. Médium, isto é, o mediador, logo são os mediadores entre o plano espiritual e o plano físico, o qual é chamado também de plano material.

Como disse um dos entrevistados, é “uma tríade entre religião, filosofia e ciência” (PAP). E desta premissa pode-se deduzir que a crítica feita por Pierucci anteriormente aqui se torna ainda mais valiosa. Quais seriam as distinções entre filosofia e religião? E entre filosofia e ciência? E quanto religião e ciência abrasileiradas? Qual seria a posição de Pierucci ao notar que as fronteiras borradas se tornam o próprio campo de estudo do espiritismo brasileiro? Provavelmente concordaria com Calil (2014, p.130) de que o deslizamento entre ciência-religião é a característica do espiritismo.

Porém, além da comunicabilidade com os espíritos e da óbvia crença na imortalidade do espirito, há também a crença em reencarnação, que faz com que um dos temas mais pesquisados na área seja a opinião dos espiritas frente ao aborto[iv]. Junto a tudo isso, há a sustentação dos dogmas cristãos, que na religião não são tidos como dogmas (coisa essa que alguns adeptos bradam com orgulho) e esses são reinterpretados e ressignificados. Essa cristandade espirita é algo não muito explorado no campo das ciências sociais, e algumas vezes, até mesmo não conhecido e não aceito na sociedade civil.

Espiritismo à brasileira?[v]

Uma das discussões tanto no campo acadêmico quanto dentro da doutrina espírita (pelo menos em minha observação) é se o espiritismo foi transplantado decentemente, mantendo suas diretrizes. Como já foi dito, seu surgimento se dá por um francês, ou seja, na França. Porém com Kardec ainda vivo suas obras já tocavam o solo brasileiro. E desde os primórdios da doutrina em solo brasileiro, houveram como sempre, conflitos. A problemática se dava por aqui no Brasil o espiritismo se apresentar como uma instituição de cura, realizando as famigeradas cirurgias espirituais. E nesta época (sex. XIX) havia uma preocupação extrema pelo fato de a saúde pública estar se estabelecendo, então as faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia uniformizavam os médicos como aqueles que poderiam fazer os procedimentos cirúrgicos, os cientistas. E todo aquele que se propunha a fazer cirurgias ou oferecer apoio médico sem ser médico, era tido como charlatão, “um cultor da não ciência” como diz Giumberlli(1997).

Tempos após, também foi tido como um certo tipo de loucura, categorizado em meio as hipnoses e passível de doença mental. Esses fatores tolhiam totalmente o espiritismo brasileiro de crescer em suas bases cientificas/filosóficas.

Além desse ponto, tem o fato de a sociedade brasileira ser erguia com bases extremamente católicas. Um fato curioso que pode ilustrar bem isso e facilitar o entendimento em como é confuso a definição de limites entre particular-público; religioso-político aqui no Brasil, é o fato de um santo católico ter sido eleito vereador perpétuo de um município pernambucano. O acontecido ocorreu em Igarassu e o Santo Antônio recebia um salário mínimo. Os vereadores defendiam um aumento do salário do santo, porém o ministério público tirou o cargo do santo em 2008, causando revolta popular[vi]. Não só aqui, os limites “reais” entre política e religião, por exemplo são coisas de difícil alcance.

Porém, voltemos as bases católicas, essas que de certa forma, fizeram com que o espiritismo aqui sofresse modificações, e a maior prova disso seria Chico Xavier, um dos maiores (se não o maior) divulgador da doutrina espírita no Brasil e no mundo. Ele criou sua fama após ter suas psicografias[vii] aceitas em casos judiciais, registrando 6 dos 8 casos já aceitos em tribunais[viii]. Contudo, segundo Sandra Stoll (2004), Chico Xavier afastou-se realmente do cientificismo da doutrina de Kardec ao se aproximar do catolicismo com seu discurso sobre as virtudes e da noção de santidade cristã, tornando-se então o conhecido homem santo ou o homem bom, encaixando-se totalmente nas regras éticas do catolicismo. Esse sincretismo originou ações que são de certa forma rituais habituais e recorrentes nos centros espirita atuais: as campanhas de arrecadação de alimentos (campanhas do quilo) poderiam ser o maior exemplo disso, que seriam a atuação do espiritismo no campo da assistência social. Atuação essa que fez com que o espiritismo fosse aceito como religião, por se aliar com as assistências aos pobres, uma bandeira tradicionalmente católica. E o conceito do que pode ser aceito socialmente como religião, parte da religião vigente; e no Brasil da época, era a católica.

Assim, com seu âmbito cientifico inviabilizado legalmente, sua a filosofia tolhida, então o espiritismo apoiou-se em sua outra base, a religiosa.

 

Consolidação do movimento

A FEB (Federação Espirita Brasileira) foi um importante órgão para formalizar e consagrar o espiritismo como conhecemos. Criada antes da república, sendo fundada em 1884 serviu para institucionalizar o espiritismo como uma forma religiosa, em meio a uma “dialética de oposição e sincretismo com a igreja católica” como aponta Lwegoy (2008). Esse mesmo autor nos aponta que o espiritismo se consagrou como uma doutrina da caridade e da assistência aos pobres, sobretudo através da prescrição mediúnica de receitas homeopáticas a uma população praticamente sem assistência médica. Fazendo jus então à preocupação dos médicos períodos atrás.

Porém com essa consolidação, houve também a repressão as “dissidências”, que seriam, resumidamente grupos que utilizando de pressupostos espiritas se diferenciam em poucos pontos em sua prática. Seriam esses o Roustainguismo, Racionalismo cristão, Ramatisismo, Conscienciologia, Renovação Cristã, Cultura Racional (que entrou em foco midiático por um de seus adeptos ser o famoso Tim maia) e a Umbanda. Como pode-se ver nos nomes de grupos dissidentes da doutrina, o espiritismo gosta de se dizer dono de uma “fé raciocinada”, apoiando-se em uma frase que pode ser encontrado na contracapa (ocupando posição de destaque) da obra “O evangelho segundo o espiritismo”. Cuja a frase é “Fé inabalável só é a que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da Humanidade”.

Essas repressões fizeram com que o espiritismo tivesse um caráter homogêneo, com a FEB sendo a principal agente para tornar isso possível. Uma das coisas que veremos em uma das perguntas da etnografia se remete ao uso do termo espirita, que como dito acima é sofre uma generalização para se remeter a todos os grupos que envolviam mediunidade. Uma forma de repressão dos espiritas foi justamente utilizar-se do argumento do pioneirismo do termo (visto que é um termo criado por Kardec) para se diferenciar de outras religiões, principalmente as de matrizes afro. Haverias uma repulsa por ser equiparado com outras religiões, algo que como veremos parece estar se modificando.

A FEB fez esse processo de homogeneidade tornando-se a maior (quase a única) editora de livros espiritas brasileira. O uso de livros para o espirita é tão recorrente que se reflete em seus adeptos, como podemos ver nos dados que do censo demográfico de 2010 do IBGE. Entre os adeptos, os com nível superior completo chegam ao número 31,5%, possuindo então as maiores proporções de pessoas com nível superior completo, e com taxa de alfabetização de 98,6%. Um dado que acho relevante ressaltar é que dentre os declarados espiritas, 68,7% se declaravam brancos, percentual bem mais elevado que a participação deste grupo de cor ou raça no conjunto da população. Unindo as características anteriores temos que, um grande número (19,7%) de espíritas se encontrem bem posicionados economicamente. Indicando que os espiritas têm um perfil. Curioso é observar que esse mesmo público se dispõe a praticar ações sociais (campanha do quilo, entrega de agasalho entre outras) abandonando, apenas por um certo tempo suas riquezas. Seria algo inspirado no santo católico Francisco de Assis? As ligações com a religião católica serão melhor explicadas mais à frente.

Como visto, há um grande número de acadêmicos no meio espirita. Mas diferente dos acadêmicos franceses em maio de 68, estes não se põem politicamente. Há um artigo inclusive, tratando da não-colocação do espiritismo na política[ix], como a forma que os espiritas acharam de ser pôr. A divulgação do espiritismo é quase que totalmente feita por meio dos livros, e isso deixa outros modos midiáticos de lado. Apesar disso, Signates (2019) nota que os espiritas se posicionam politicamente em três casos explícitos, que são os de: discussões sobre liberdade religiosa, abortos e pena de morte. O segundo, o aborto, foi abordado nas perguntas.

Ademais, por mais que o temas espiritas/espiritualistas estejam recorrentemente em novelas brasileiras, configurando grandes sucessos nacionais, como por exemplo: “Alma Gêmea” e “A viagem”, além de “O Profeta”, “Páginas da Vida” e “Alto astral”, não são movimentos voluntários do espiritismo. Elizabeth Jhin, autora de duas novelas de cunho espirita (“Escrito nas estrelas” e “Amor eterno amor”), dentre tantas outras com cunho espiritual[x], quando entrevistada pelo programa Vídeo Show em 12 de julho de 2012, a respeito de porquê fazia essas abordagens espiritas ela alega: “Eu acho que chama atenção, provoca interesse, curiosidade. Eu acredito em vida após a morte(...)”. Em minhas pesquisas não achei se Jhin tem alguma ligação direta com o espiritismo. Porém é possível deduzir que a partir de ações individuais como essa divulga-se o espiritismo, em outros meios além do literário, mesmo que timidamente.

            Essa recusa do espiritismo de se dizer por outros meios ficará evidente no discurso dos entrevistados quando questionados sobre uma suposta representatividade espírita em redes sociais, onde em suma dizem ver uma pequena parcela de conteúdos espiritas só que o foco não é em divulgação, mas sim um conteúdo voltado de espiritas para espiritas, numa difusão que visa trocar entre convencidos. Limitando então a abertura para novos integrantes, diferentemente de outras religiões.

Metodologia

            Após essa longa e penosa introdução, podemos partir a metodologia usada para entrevista e após isso, finalmente, os relatos.

Participantes

Foram entrevistados ao todo 12 jovens espiritas. A definição etária de jovem foi a mesma da Proposta de Emenda Constitucional da Juventude, onde considera-se jovem no Brasil, todo o cidadão com idade entre 15 e 29 anos. O escopo principal dessa entrevista era primeiramente jovem que frequentam centros espiritas localizados em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. E especificamente foram entrevistados 5 integrantes do CEIL (Centro Espírita Isaac Lima) e 5 do CELV (Centro Espírita Luz e Verdade). Esses centros foram escolhidos por dois motivos, o primeiro é que eu tinha mais acesso a eles, e o segundo é que são centros com uma certa “tradição”, o CEIL no dia 30/06/2018 comemorou seus 84 anos desde sua fundação, já o CELV tem 97 anos de existência. Porém estavam presentes também dois integrantes de casas espíritas localizadas em outras duas localidades, então aproveitei e os entrevistei para ver se destoavam dos demais simplesmente por posição geográfica da casa espirita.

Uma dessas pessoas é uma integrante do CEGE (Centro Espirita Gregório Estevão) que se encontra em Pedra de Guaratiba, também um bairro oeste do Rio. A outra casa que o participante se fez presente foi o CELM (Centro Espírita Leopoldo Machado), que se localiza na baixada fluminense, em Nilópolis.

Serão dispostos aqui os entrevistados por um código e logo em seguida sua idade.

Procedimento

Foi feita uma entrevista de cunho semiestruturada[xi], e as quais foram gravadas por meio de um smartphone. As respostas foram transcritas para cá. As entrevistas foram feitas nos sábados: 9/06 e no dia 16/06 do ano de 2018.

Resultados

Procederei pondo aqui as perguntas na mesma ordem que foi entrevistado e divulgarei as respostas que achei mais interessantes e as mais comuns entre os entrevistados. As perguntas se apresentaram acima das respostas, que ficaram grifadas em itálico.

 

RESULTADOS

 

O espiritismo para você é uma...?
 

O termo mais usado para responder esta pergunta foi “religião”, com cinco participantes utilizando desta categoria. Porém esta vitória, se deu por pouco, já que o termo “doutrina” foi usado quatro vezes. Houveram reações interessantes a resposta, como por exemplo, três entrevistados demonstraram um certo titubear (respirações profundas ou segundos para pensar) em considerar o espiritismo uma religião, porém ao fim classificaram desta forma. Algo relevante que acho digno de ressaltar é uma visão do espiritismo como “Uma ferramenta pro meu auto melhoramento” (RF; 21) ou então como “uma forma de me comunicar com meu eu interior” (PHL; 19). Encerro esta pergunta com uma observação feita por um dos entrevistados. PAP,18: “Uma tríade entre religião filosofia e ciência, em tese Por que em tese? “Porque o espiritismo no brasil é muito levado só como religião e muita coisa parte filosófica e científica são ignoradas.”

 

O que você acha de cirurgia espiritual? Há problemática medicinal? [xii]

Muitos dos jovens demonstram certo desconhecimento de o que seria com exatidão essa cirurgia espiritual. Outros um certo espanto: “(...) acho que a cirurgia espiritual é bem louca, sabe...” (MEDR,15)

Já outros foram bem enfáticos: “bem, eu acho que é uma coisa importante quando se tem algum caso que precise fazer né...mas é algo que a gente que ter cuidado, em relação a tipo, o pessoal não querer achar que isso consiga meio que suprir à necessidade de alguma coisa física (...) você também tem que tomar medidas em relação ao seu corpo físico. (...) é claro que ela ajuda, mas você também tem que ir ao médico se consultar (...)” (GSCR,22).

Há também os que fizeram e não acham que pode haver problemáticas. Uma dessas relatou que “A cirurgia não foi num local espirita, (...), mas eu fiz em casa, então, marcou um dia, na minha casa, a hora, então eu tinha que estar em casa, de roupa clara, deitada...durante trinta minutos (...), e só esperando com pensamento em deus, digamos assim. E é isso, depois você tem que ficar descansando, como qualquer cirurgia, como se fosse real (IMN; 16). E a mesma disse que não teria problemas medicinais pois “não me ocasionou nenhum problema seguinte”.

Quando questionada sobre as problemáticas, outra entrevistada  lançou: “ter tem, porque a medicina é uma ciência comprovada, mas o espiritismo também, as vezes, se inventa de entrar na área da ciência, e tem umas coisas que são paraciência e ai acho que possa dar certo, se a pessoa acreditar, até a medicina  normal é se a pessoa acreditar. (ISTR,18)

            Nesse quesito, dá para perceber que não há uma homogeneidade.

 

O que você acha do aborto? Qual sua posição diante a legalização do aborto?

“Do aborto?? Sou contra, porque...por conta da minha crença. No caso no espiritismo a gente diz que quando você aborta, você acaba tirando a oportunidade do espirito encarnar e tipo, tem umas tretas assim e sou contra.” —Então você é contra a legalização? “Não, não sou contra” (PAP,18). Uma das participantes traduziu bem a aparente “contradição” de PAP, ao dar um riso sem graça e respirar profundamente para enfim falar: “tá...aborto... beleza!” para então dizer sua posição diante o aborto. Demonstrando então que o aborto é um caso delicadíssimo dentro desta religião (e ciência, e filosofia....)

Essa posição se deu, talvez, por essa nova geração estar levando mais em consideração as pautas públicas do que os postulados do espiritismo. Como podemos observar em um artigo publicado no site do CEERJ (Conselho Espirita do Estado do Rio de Janeiro) cujo o título é “Porque o Espírita é Contra a Descriminalização do Aborto”[xiii], onde no título é possível observar que o sujeito pelo qual se fala é o espirita (sujeito/privado) e não pelo espiritismo (grupo religioso). Isso foi algo notadamente criticado pelos jovens nas perguntas a seguir.

“o ato em si, acho que cada um sabe a cruz que carrega, e é muito difícil no meio espirita principalmente (...) e como nossa bandeira é a caridade e olhar ao próximo, isso é muito contraditório porque a gente não olha a situação [daquelas que abortam] é um erro muito frequente no espiritismo. (...)a gente não pode tratar uma questão de saúde pública como uma religião decidir ou não, a gente tem que pensar numa população onde mulheres morrem.” (VARB, 17)

Porém, ao todo, apesar das implicações religiosas, nove se posicionaram favor a legalização. Dois não se posicionaram, por ser um assunto demasiado complexo e eles se sentirem “divididos”. E um dos entrevistados é contra o ato e a legalização. Contudo, todos eles convergiram em ver o ato de aborto como algo negativo, demonstrando certa repulsa ao ato.

“Acho muitas vezes necessário e muitas pessoas não conseguem enxergar isso, por puro capricho próprio.” (JOB,18). Achei interessante relatar este aqui, pois pode-se criar pontes entre esse discurso e o pior dentre os sete pecados capitais, o orgulho ou soberba, continuando nas relações espiritas-católicas.

 

Como você se sente em ser comparado com um umbandista ou camdobleista? Se importa? O que acha de um mesmo termo, classificar essas três religiões diferentes?

Como abordado anteriormente, esta pergunta reflete a dificuldade do termo espirita. E foi posta aqui para ver como está a aceitação da juventude espirita com uma já conhecia questão dentro da religião, a de ser igualada a toda e qualquer religião mediúnica, o que causa revolta em certos espiritas (geralmente mais velhos), ao meu ver. A conclusão além das que veremos abaixo é que grande parte dos jovens se importavam somente quando eram mais novas, ou crianças. E também que a maioria tem ou teve contato com a umbanda, fazendo disso então um motivo para não se importar com essa comparação. Além de que todos, demonstraram uma aceitação “neutra” diante a generalização, optando por uma especificação, como por exemplo o termo “espirita kardecista”.

“Com relação a esse termo que identifica um por três, acho que é mais uma questão histórica né? Porque, pelo menos me explicaram uma vez que, os centros de umbanda e candomblé não podiam existir, e colocavam como centro espírita pra poder acontecer as paradas. E a galera deve ter feito essa associação e fica até hoje (...)” (PHL,19)

“Não fico ofendida quando me classificam, acho que isso só mostra o quanto mal divulgadas essas religiões são.” (MEDR, 15).

“eu explico a situação pras pessoas, elas que não tem o conhecimento, se elas não têm, eu explico qual é” (IMN,16).

Na verdade, o que sempre me irritou foi a ignorância das religiões em não saber distinguir, mas agora eu entendo que muita gente não tem essa informação.” (JOB,18)

“Eu só explico mesmo (...) espirita é a questão da religião cristã, a questão do evangelho, Allan Kardec codificou o livro, mas não é jesus nem deus, etc. (...), pessoa só é leiga, mas o papel que tem o conhecimento é instruir, então... (GSCR, 22)

“Ainda perguntaram se eu curto um tambor (...), mas pra mim não é ofensivo é de certa forma um elogio, são religiões muito bonitas.” (VARB,17)

“Quando eu era criança, meio que adolescente eu ouvi bastante “olha a gente tem que saber que espírita só a gente, as outras são outras coisas”. Eu cheguei a ouvir da minha mãe que: (isso porque minha família vem da umbanda (...) aí depois todo mundo virou espirita) “Ah, umbanda não é religião, é seita”. “Espirita é só a gente, é uma palavra inventada por Kardec.” (...) depois que cresci, eu vi que parece que é muito medo de ser considerado [Como se falasse:] “olha eu sou melhor do que isso, eu não sou da umbanda, não sou do candomblé, eu não bato tambor.” (LAP,23).

 (...) que as religiões afro são uma coisa só, e geralmente as pessoas levam em consideração como uma coisa ruim só. E ela não é uma coisa ruim, nem uma coisa só.  (PHMM,19)

“Às vezes, eu ainda usava como coisa [Creio que ameaça] porque a sociedade tem medo das religiões afro-brasileiras e aí quando eu era mais nova e queria assustar as pessoas eu ficava tipo: “eu vou botar teu nome na boca do sapo, eu sou espirita!” (ISTR,18)

 

No campo acadêmico, dentre as religiões ditas brasileiras, o espiritismo é a menos estudada, mesmo tendo a ciência como uma de suas bases. O que você acha disso?

 “eu acho que ela deveria ser mais estudada, porque ela tem muita influência no dia a dia (IMN,16)

“Eu vejo o espiritismo como uma religião muito fechada embora seja uma religião que dite coisas de inclusão e diversa coisas mais, (...) só que por ser uma religião que não é de fácil acesso, os conceitos, os livros o que é estudado, as pessoas acabam desistindo. Acho que a questão acadêmica não estudar é por isso, por não ser uma religião muito popular.” (PHMM,19)

“Eu acho que o espiritismo é muito discreto sabe? (...) por mais que tenha ações e tal e faça coisas (...) acho que é uma doutrina, uma religião, ou algum campo filosófico ou algo do tipo, que não é muito assim extravagante (...) é algo mais reservado, mas em um certo momento vai ter a oportunidade de tipo, aparecer e as pessoas focarem mais e pesquisarem mais sobre...” (RF,21)

“É mais questão de cultura sabe? Se você for parar pra ver o espiritismo comparado com qualquer outra religião é uma coisa muito nova. E aliado a essa questão da confusão pelo termo, as pessoas ou ficam com medo ou não procuram saber direito. E tipo, quando você fala que é uma religião, muitas pessoas já chegam com uma ideia de que tipo é uma religião então não tem nenhuma base cientifica e só base religiosa e é isso (...), mas a gente sabe que não é assim o espiritismo.” (GSCR, 22)

 “Pra cem anos [de existência do espiritismo] foi uma conquista muito grande, e a tendência é só crescer (...) a gente depois dos católicos, temos os nomes mais positivamente falando, de figuras religiosas. (...) principalmente pela grande representatividade em mídias e novelas então a gente vê que a mídia influencia muito no nosso crescimento, é só questão de tempo até gente chegar no mesmo patamar que as outras religiões, é que a gente é recente.” (VARB, 17)

“e não tem uma divulgação por parte do espiritismo também, então é um problema” (MEDR,15)

            Como podemos observar, a juventude acredita em uma certa agenda espirita para o futuro. Tema este que é famoso perante o vulgo, como as previsões de Chico Xavier para o ano de 2019 por exemplo. Mas esta agenda parece estar coerente com crescimento dos espiritas no país, pois segundo o IBGE, os espíritas no Brasil passaram de 2,3 milhões em 2000 para 3,8 milhões em 2010, tendo um crescimento absurdo podendo então fundamentar a justificativa de muitos deles. Porém essa visão de ser algo recente, que em breve entrará em voga, não é unânime, como podemos visualizar nas palavras abaixo:

“Sério?? Achava que era uma das mais estudas, até porque aquela pesquisa (...) disse que a (...) religião com maior quantidade de pessoas no ensino superior né (...) achei que tinham várias galeras estudavam ela. Mas se não, é porque ela já é bem explicativa em si, e ela já é basicamente, bem histórica então as pessoas não devem se importar de ficar pesquisando isso academicamente.” (ISTR,18)

 

O que você acha que do espiritismo em redes sociais? Há uma representatividade midiática? O que você acha dessa representatividade?

“Tem uma representação do espiritismo em redes sociais sim, porém nem sempre correta. A gente vê publicações da FEB meio sem noção né, que coloca o espiritismo acima de outras coisas.” (MEDR,15)

“Acho que é necessário, como todas as religiões são divulgadas. Mas acho também tem que ter uma noção de que isso é uma coisa pessoal, você não pode divulgar pra outras pessoas como se fosse uma verdade, cada um tem sua verdade. (...). Muita gente tem medo de saber o que é espiritismo por achar coisas dele sendo que não é verdade, acho que é importante pra quebrar essa barreira (JOB,18)

“Nem tanto, tem umas coisas mais recentes, (...) tem umas coisas engraçadinhas, como o canal amigos da luz. Mas acho que ainda é pouco. (...), precisa estar produzindo mais, sabe. O que tem não é que não seja interessante, mas acho que tem muita besteira também. (...) tem mais coisas irregulares e pessoais, tipo “ah, eu tenho um blog, uma página” (...) e cada um fala o que que acha. Do que uma coisa formal, de produção grande, um grupo de espiritas produzindo conteúdos sociais. (LAP,23)

“O problema é que não existe uma organização tipo: “olha esse é o espiritismo, venha conhecer o espiritismo”. O que é feito midiaticamente é de espíritas voltados só para espíritas(...). Como o movimento jovem do espiritismo ainda tá ganhando força e (...) no espiritismo tem muita gente um pouco mais da antiga”, por assim dizer...Eu acho que tem uma representação fraca midiaticamente mesmo de espírita para espíritas por conta disso.  Por pessoas mais velhas terem menos contato com redes sociais do que os jovens.” (PAP,18)

“Há um tempo atrás eu não via isso, (...), mas agora tem canais no YouTube, páginas no Facebook e tal falando de espiritismo.” (ISTR, 18).

“Mas acredito que esteja em crescimento” (PHL,19)

            Novamente, retorna a questão do crescimento, do progresso, algo próprio do positivismo que perpassa as obras de Kardec, como os princípios de evolução e melhoramento. Porém é possível observar também que há um certo criticismo diante da forma como o conteúdo é feito.

            Algo interessante foi que muitos deles citaram o canal “Amigos da Luz”[xiv], sendo este um canal no YouTube que se dispõe a fazer vídeos engraçados sobre temas espiritas, meio que como um entrevistado disse “tipo porta dos fundos, sabe?” e já conta com mais de 238 mil inscritos.

 

Você vê alguma (ou qualquer) relação possível entre as crenças e práticas católicas e espiritas?

 

A maioria deles ligaram o fato de serem duas religiões cristãs, então por isso partilham muitas crenças iguais. Além de relatarem muitas histórias de pessoas que vieram para o espiritismo, porém continuam com práticas católicas, como rezar (que não é um termo usado no espiritismo[xv]) para Santa Maria, ou tratar o umbral equivalentemente que o inferno católico.

Porém alguns (2) entrevistados relataram não ver nenhuma ligação possível.

“Acho que a principal ligação com as outras religiões, principalmente com a católica, tem que ser pelo amor” (VARB,18)

 

Você vê o espiritismo agindo, influenciando de alguma forma vida pública e política? Além da entrega de alimentos.

Nesta pergunta muitos deles separaram as duas coisas. A conclusão foi que o espiritismo tem uma aparição pública através do ato dos espiritas (e não do espiritismo em si) pois: “No seu dia a dia essas formas [espiritas] vão aparecendo” (PHL,19). e outra forma de interação com a vida pública é por meio dos espiritas famosos como por exemplo, Chico Xavier e Divaldo Franco, que para eles isso demonstraria uma influência pública. Uma das entrevistadas comentou o fato de que alguns políticos tiraram fotos com Chico Xavier ou participaram de reuniões mediúnicas com ele.

“Tem o costume de falar que: “Quando começar a próxima ditadura os espiritas vão ser presos porque a galera é tudo de esquerda”. (...) alguns centros são mais voltados pra auxilio social (...), por exemplo meu centro é assim” (ISTR,18)

“Em casas espiritas, normalmente há alguns projetos de sociais e tal, e acho que afeta sim. (...) (PAP,18)

            “(...) mesmo que pessoas dentro do próprio movimento espirita digam que o espiritismo não deve entrar no meio de política (...), mas nós temos que lembrar que além de espiritas somos cidadãos (...)” (RF,21)

“Sim, mas não de forma boa. (...) é uma via de mão dupla” (...). Tem a prece pros jovens espiritas que se meteram com o tráfico e morreram (VARB,17)

“Vejo sim (...), por exemplo, em um aborto é muito difícil você decidir o que você vai fazer quanto a isso. (...) mas como pessoa espirita você tem que levar em conta o espiritismo, que é errado, não pode matar uma vida, que mesmo com dias na barriga é uma vida (...)”

Como se vê, muitos são os tópicos levantados, não iremos discuti-los. Porém, apesar disso, 3 participantes falaram que não veem participação alguma.

Como é ano de eleição...você tem visto algo nas páginas espiritas ou nos centros relativo a isso?

A maioria esmagadora os jovens expuseram que política não é um tema discutido dentro das casas espíritas, e tem até certa aversão a isso. Podemos ver isso claramente em duas respostas: “não e espero que não tenha porque é um absurdo (JOB,18).

“Outro dia apareceu pra mim uma coisa que eu achei muito bizarra, era uma pesquisa tipo “Ah, espírita responda essa pesquisa” eu achei que fosse (...) realmente uma pesquisa acadêmica e aí (...) a impressão que tive era que era alguém que tava querendo se candidatar (...) eu não votaria num candidato por ele ser espirita (...). Alguém me colocou num grupo de “Espíritas pela Democracia”[xvi] e lá muito espírita faz comentários sobre política. Dentro do centro só vejo todo mundo muito preocupado com a atmosfera do país nesse momento, “vamos fazer orações”” (LAP,23)

No meu centro, o presidente era político (...) a propagandinha dele na porta. Eu não gostava de ir lá e muita saiu de lá por causa disso. (...) até por essa questão de ele botar um partido e um partido de direita(VARB,17)

Um comentário que achei relevante ressaltar é o abaixo, que relembrou um movimento que gerou muita discussão entre a juventude. Creio eu que foi o principal motivo de alguns dos jovens terem falado da questão da mídia não poder ser impositiva.

“Esse ano não, mas já vi ano passado o espiritismo se posicionando em decisões políticas, sabe? (...). A questão do aborto mesmo, que já teve uma, foi ano passado que a FEB fez uma publicação falando pra gente votar contra uma decisão lá, do planalto, uma coisa do tipo... sobre a legalização do aborto, pedindo pra gente se posicionar contra” (MEDR,15)

 

Há muito preconceito no meio espirita? Qual deles é mais saltante, mais visível?

 

Diante esta pergunta eles ficaram bem divididos. Alguns levaram um longo tempo para pensar, já outros responderam imediatamente qual dos preconceitos era o mais visível. Contudo, o preconceito eleito como mais manifesto foi a LGBTfobia, sendo considerada a maior por cinco entrevistados, porém o preconceito religioso e o racial estivem logo atrás.

“Eu acho que tem muito preconceito e o que eu vejo mais forte é aquela postura tipo “não temos preconceito”, porém temos. (...) “não sei dizer qual que tem mais não, mas tem bastante” (LAP,23)

“(...) existe muito conservadorismo ainda e eles tentam justificar seus preconceitos de maneira nada a ver.” (JOB,18).

Como é possível observar, é nítido que há preconceito no meio espirita, porém para muitos isso é algo normal, já que alegam que em todo grupo de pessoas terá preconceitos. Quando questionados em quais deles é o maior, alguns disparam:

“Ah mano tem! Acho que o principal é achar que é o dono da verdade e acabar excluindo (...) outras opiniões e não escutar por achar que sabe de tudo. (...) acho que o [preconceito] com a sexualidade é até mais que o religioso, talvez” (PHL,19)

“acho que o racismo é o que mais se destaca, depois vem lgbtfobia e depois o machismo (...)” (PAP,18)

“Muitos dali de dentro [do espiritismo] veem as religiões afro como religiões inferiores, por terem espíritos que (...) tem determinados modo de falar que não são tidos como certos num padrão social, então como é uma religião [o espiritismo] de pessoas muito elitizadas que tem acesso à educação e essas coisas, eles acham que essa forma de outros espíritos falarem dentro das religiões afro é uma forma inferior então eles diminuem o espirito.”(PHMM,19)

“(...) o maior preconceito é o mais velado, que é o machismo. (...) pessoas mais velhas tem muito racismo também mascarado. Porém com a homofobia é um pouco maior. (...) cabe a gente que agora que é novo (...) lutar pela quebra do conservadorismo que não tem nada a ver com nossa religião.” (VARB,17)

            A repressão ao conservadorismo muitas vezes atribuída a geração anterior é característica desses discursos.

            Uma resposta que acho digna de remontar é uma que pode criar duas problemáticas. A primeira é a questão da musica espirita, que é um tema inexplorado dentro do campo de estudos das ciências sociais, não atoa sendo escolhidos artigos que relacionassem musica com religiosidade juvenis. E o outro, é o recebimento e o confronto travado por algumas bandas espiritas tida como joviais, remetendo novamente ao tema central deste artigo.

“(...) é uma questão de ainda possuir pessoas no movimento espirita com uma visão muito conservadora (...) por exemplo, eu tenho um grupo de música espirita, só que o estilo de música que eu apresento, muita gente ainda tem uma visão torta do que (...) o meu grupo faz. Porque é algo que tipo é muito moderno (...) eles ignoram (...)o que a gente tá tentando passar, e tentam problematizar como a gente ta tentando passar. Que é a questão do rap, da música urbana, que é algo que vem da rua. (...) porque a gente tá utilizando meios que são mensagens do que eles [conservadores] já aprenderam (...) só que tá trazendo de uma forma mais jovem, pra galera jovem da nossa idade. Só que a gente enfrenta muito problema sobre isso.” (RF,21)

 

Vou lhe dizer uma frase, você pode por favor pode me dizer de quem você acha ter vindo? Dentro das figuras bastante conhecidas do espiritismo.

“Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos; como Espíritos, são sem dúvida uma raça inferior, quer dizer, primitiva…”[xvii]

 

Esta pergunta é uma das polêmicas envolvendo Kardec. É de um artigo publicado na Revista Espírita em 1862, publicada por ele. Eu pus como uma pergunta para saber se a juventude saberia lidar com uma “bomba” vindo de dentro do movimento, principalmente se soubessem que o autor era Kardec. Creio que as transliterações falam por si.

“não consigo imaginar de quem seria uma frase dessa.” (PHL,19)

“não faço ideia, (abre forçosamente o olho) mesmo!” (ISTR,18)

“Nossa, quem falou isso, nossa! (...)” (JOB,18).

“Nossaaaa senhora, meu coração, essa pessoa precisa evoluir muito.” (IMN,16).

“Sério que alguma pessoa do meio espirita falou isso? C*ralho...(silêncio)” (GSCR,17)

“(...) Foi uma pessoa, não foi a religião (...) é claro que ele codificou os livros, porém livro contradiz tudo que ele falou” (VARB,17)

 

Referências bibliográficas

PIERUCCI, Antônio Flávio. Sociologia da religião: área impuramente acadêmica. Em:

MICELI, Sergio (org.) O que ler na ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo:

Sumaré, ANPOS, CAPES, v.2, p. 237-286, 1999.

 

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 131° edição. FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA – FEB, 1944.

 

KARDEC, Allan. Revista Espírita, Jornal de estudos psicológicos, Abril de 1862. Disponível em:< https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/896/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1862/5195/abril/frenologia-espiritualista-e-espirita>. Acessado em:18/10/20.

 

GIUMBELLI, Emerson. Heresia, doença, crime ou religião: o Espiritismo no discurso de médicos e cientistas sociais. Revista de antropologia; São Paulo; USP; V. 40 nº2, 1997.

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ARRIBAS, Célia G. Espíritas de todo o Brasil, uni-vos! Meandros da unificação espírita na primeira metade do século XX. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 37(3): 150-172, 2017.

SIGNATES, Luiz. Espiritismo e política: Os tortuosos caminhos do conservadorismo religioso e suas contradições no Brasil. Caminhos, Goiânia, Especial, v. 17, p. 138-154, 2019.

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LEWGOY, Bernardo. Os espíritas e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista. Teses e Dissertações não defendidas na UFRGS. 2000

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[1] Graduando em Filosofia pela UFRRJ.


NOTAS: 

[i] Me considerava espirita até o início do ano de 2017.

[ii] Conferir artigos sobre jovens de diferentes religiões, como: (AGUIAR, 2020), (MIRANDA, 2010) e (GOMES; CAMURÇA, 2006.)

[iii] Nome esse que foi dado ao meu pai por meu avô e mantido na família até a mim.

 

[iv] Barbosa (2019) aponta o aborto como tema problemático.

 

[v] Título do livro de Sandra Jacqueline Stoll.

 

[vii] Mensagens escritas pelo médium que foram ditadas por espíritos.

 

[viii] Tema esse inclusive que deu origem a um livro, intitulado “Psicografia nos tribunais” de Vladimir Polizio.

 

[ix] Cf.: MIGUEL, Sinuê. Espiritismo e Política: O compasso dos espiritas com a conjuntura dos anos 1930-1940. Debates do NER, Porto Alegre, ano 10, N.15, p.39-70, Jan/Jun.2009.

 

[x] A margem nesse sentido é novamente borrada, pois os critérios de o que se pode ser taxado como espiritual ou espírita é conflituoso e de extensas problemáticas. Portanto, o critério utilizado para separar estas duas categorias foi puramente pessoal.

 

[xi] Somando-se a pouca formalidade característica desse modo, que o entrevistador conhecia o entrevistado, mesmo que pouco.

[xii] No momento da primeira entrevista, utilizei essa pergunta (“Há problemática medicinal?”), mas houveram vezes que utilizei o termo “implicações medicinais” ao invés de “problemáticas”. Algo que com certeza alterou um pouco a resposta. Após eu perceber, o que demorou, fiz as demais entrevistas utilizando apenas o termo “problemáticas”.

 

[xiii] Disponível em: <http://www.ceerj.org.br/portal/abortonao>. Acesso em 04/07/18.

 

[xiv] O canal pode ser encontrado em:< https://www.youtube.com/channel/UCYatoBlRirWhMrgjTK0b6Pg>. Acessado em:18/10/20.

 

[xv] Outra especificidade do espiritismo é usar o termo “passe” para se referir à pratica de oração ou reza.

 

[xvi] No grupo é possível achar algumas enquetes sobre pautas políticas e que contavam com mais de 950 participantes. Algo interessante para se pesquisar, talvez nas redes e nestes últimos anos um posicionamento político tenha se manifestado.

 

[xvii] KARDEC, Allan. Revista Espírita, Jornal de estudos psicológicos, abril de 1862. Disponível em:                     <https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/896/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1862/5195/abril/frenologia-espiritualista-e-espirita>. Acessado em:18/10/20.

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