De Revolução à Ditabranda: negacionismos sobre a Ditadura militar brasileira e o papel do Historiador


 Alexandre Vinicius Nicolino Maciel[1]

Em 17 de fevereiro de 2009, um editorial da Folha de São Paulo que visava criticar o governo de Hugo Chávez, definiu o Regime Militar brasileiro como uma “ditabranda”, tendo em visto o baixo número de mortes oficializadas em relações aos congêneres do Cone Sul (LIMITES A CHÁVEZ, 2009). A afirmação causou mal-estar na sociedade, sobretudo nos historiadores que ainda foram atacados posteriormente pelo mesmo periódico (NOTA DA REDAÇÃO, 2009), rendeu inúmeras críticas e um posterior abaixo-assinado. No entanto, corrobora com a ideia de que o golpe de 1964 foi uma Revolução frente ao perigo comunista que assombrava o Brasil e tornaria o país uma Nova Cuba, sim essa história é antiga e não é culpa do PT. Assim o movimento empresarial-militar seria uma espécie de contragolpe aos planos da esquerda brasileira: “O Brasil de 1964 era um balaio de ideias e correntes políticas, de líderes pertinazes e sabotadores empedernidos, e por isso mesmo a sociedade ansiava por mudanças, ainda que elas significassem o desapego à democracia (SEGATA; MOURA, 2014, p. 68).”

No mesmo 2009, o jornalista Leandro Narloch lança o livro Guia Politicamente Incorreto da História do  Brasil, que segundo o autor seria: “Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos (NARLOCH, 2009.)”.  No trecho sobre a Ditadura é ratificada a noção de brandura do regime, justificando as ações do estado como contra-ataques aos movimentos de guerrilha e as torturas à falta de inabilidade policial em interrogatórios (NARLOCH, 2009.). O projeto conservador iniciado por Narloch rendeu uma coletânea da Editora LeYa, na qual guias sobre os mais variados temas foram lançados. No volume sobre a Filosofia, Luiz Felipe Pondé referenda a ideia de “Nova Cuba” e diz que os militares salvaram o país do pior (PONDÉ, 2012). O livro ainda fora adaptado em uma série televisiva homônima no canal por assinatura History Channel.

Tais ações de negação da ditadura e/ou exaltação de seus atos são reflexos de uma sociedade que viu uma transição pactuada comandada pelos militares, gestar a democracia (re)nascida na década 1980 sobre alicerces autoritários, que permitem até posturas como a de Jair Bolsonaro de defesa a um torturador em pleno Congresso Nacional. Essa guinada ao conservadorismo é permeada de ataques à historiadores que são reduzidos a meros militantes esquerdistas-doutrinadores e outorgam a qualquer indivíduo o papel de falar e escrever sobre a história, sem qualquer fundamento teórico ou pesquisa adequada. Assim jorram obras com compilados de negacionismos dos mais variados tipos, facilmente expandidas pela velocidade digital atual, com linguagem ofensiva ao que chamam de politicamente correto e pautada na derrubada de “mitos”, esses textos alcançam um numeroso público leitor, pois muitas vezes desprezam qualquer técnica de escrita acadêmica ou até mesmo jornalística.

A nós historiadores é dever (re)ocupar o espaço que nos é devido, retirando-se da bolha acadêmica que ao longo do anos nos reduzimos e alcançando o grande público pelos mais variados meios, entendendo que democratizar o acesso não diminui a qualidade da obra, em contrapartida aumenta o seu papel transformador. Facilitar ao grande público a leitura de pesquisas cientificas é também uma justificativa para o seu fomento, que vem progressivamente sendo reduzido dentro de políticas reducionistas. Cabe ao pesquisador sempre se questionar “Será que minha família seria capaz de compreender o que eu pesquiso?” caso a resposta seja não, há algo errado.

Referências Bibliográficas

FRIDERICHS, Lidiane Elizabete. Transição democrática na Argentina e no Brasil: continuidades e rupturas. AEDOS, Porto Alegre, v. 9, nº. 20, p. 439-455, Agosto, 2017.

GUIA politicamente incorreto de História do Brasil. (Série de Programas). Produção: History Channel, 2017-2018.

LIMITES a Chávez. 2009. Folha de S. Paulo, Editoriais, 17 fevereiro 2009. Disponível em : < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200901.htm >. Acesso em: 9 julho 2020.

MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os usos abusivos do passado em tempos de pós-verdade. Revista História Hoje, v. 8, nº 15, p. 66-88, 2019.

MOURA, Pedro Marcondes; SEGALLA, Amauri. 50 Anos do Golpe  de 1964 -  Todos queriam um golpe. ISTO É, São Paulo, ano 38, nº. 2314, p. 66- 69, abril, 2014,.

NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da História do Brasil. São Paulo: LeYa, 2009.

NOTA da redação. 2009. Folha de S. Paulo, Painel do Leitor, 20 fevereiro 2009. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2002200910.htm >. Acesso em: 10 julho 2020.



[1] Graduando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Comentários

  1. "Cabe ao pesquisador sempre se questionar “Será que minha família seria capaz de compreender o que eu pesquiso?” caso a resposta seja não, há algo errado." - Concordo, plenamente. A pesquisa possui uma função social. É importante que adote critério científicos que assegurem sua credibilidade. No entanto, é preciso que seja exteriorizada numa liguagem acessível para que as pessoas comuns, na sociedade a compreendam e possam ir se fundamentando, de modo a desenvolverem um raciocínio crítico.

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