De Revolução à Ditabranda: negacionismos sobre a Ditadura militar brasileira e o papel do Historiador
Em 17 de fevereiro de 2009, um editorial da Folha
de São Paulo que visava criticar o governo de Hugo Chávez, definiu o Regime
Militar brasileiro como uma “ditabranda”, tendo em visto o baixo número de
mortes oficializadas em relações aos congêneres do Cone Sul (LIMITES A CHÁVEZ,
2009). A afirmação causou mal-estar na sociedade, sobretudo nos historiadores
que ainda foram atacados posteriormente pelo mesmo periódico (NOTA DA REDAÇÃO, 2009), rendeu
inúmeras críticas e um posterior abaixo-assinado. No entanto, corrobora com a
ideia de que o golpe de 1964 foi uma Revolução frente ao perigo comunista que assombrava
o Brasil e tornaria o país uma Nova Cuba, sim essa história é antiga e não é culpa
do PT. Assim o movimento empresarial-militar seria uma espécie de contragolpe
aos planos da esquerda brasileira: “O Brasil de 1964 era um balaio de ideias e
correntes políticas, de líderes pertinazes e sabotadores empedernidos, e por
isso mesmo a sociedade ansiava por mudanças, ainda que elas significassem o
desapego à democracia (SEGATA; MOURA, 2014, p. 68).”
No mesmo 2009, o jornalista Leandro Narloch lança o
livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, que segundo o autor seria: “Uma
pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis,
escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos (NARLOCH, 2009.)”.
No trecho sobre a Ditadura é ratificada a
noção de brandura do regime, justificando as ações do estado como contra-ataques
aos movimentos de guerrilha e as torturas à falta de inabilidade policial em
interrogatórios (NARLOCH, 2009.). O projeto conservador iniciado por Narloch
rendeu uma coletânea da Editora LeYa, na qual guias sobre os mais
variados temas foram lançados. No volume sobre a Filosofia, Luiz Felipe Pondé
referenda a ideia de “Nova Cuba” e diz que os militares salvaram o país do pior
(PONDÉ, 2012). O livro ainda fora adaptado em uma série televisiva homônima no
canal por assinatura History Channel.
Tais ações de negação da ditadura e/ou exaltação de
seus atos são reflexos de uma sociedade que viu uma transição pactuada
comandada pelos militares, gestar a democracia (re)nascida na década 1980 sobre
alicerces autoritários, que permitem até posturas como a de Jair Bolsonaro de
defesa a um torturador em pleno Congresso Nacional. Essa guinada ao
conservadorismo é permeada de ataques à historiadores que são reduzidos a meros
militantes esquerdistas-doutrinadores e outorgam a qualquer indivíduo o papel
de falar e escrever sobre a história, sem qualquer fundamento teórico ou
pesquisa adequada. Assim jorram obras com compilados de negacionismos dos mais
variados tipos, facilmente expandidas pela velocidade digital atual, com
linguagem ofensiva ao que chamam de politicamente correto e pautada na
derrubada de “mitos”, esses textos alcançam um numeroso público leitor, pois
muitas vezes desprezam qualquer técnica de escrita acadêmica ou até mesmo
jornalística.
A nós historiadores é dever (re)ocupar o espaço que nos
é devido, retirando-se da bolha acadêmica que ao longo do anos nos reduzimos e
alcançando o grande público pelos mais variados meios, entendendo que
democratizar o acesso não diminui a qualidade da obra, em contrapartida aumenta
o seu papel transformador. Facilitar ao grande público a leitura de pesquisas
cientificas é também uma justificativa para o seu fomento, que vem
progressivamente sendo reduzido dentro de políticas reducionistas. Cabe ao
pesquisador sempre se questionar “Será que minha família seria capaz de
compreender o que eu pesquiso?” caso a resposta seja não, há algo errado.
Referências
Bibliográficas
FRIDERICHS, Lidiane Elizabete. Transição democrática
na Argentina e no Brasil: continuidades e rupturas. AEDOS, Porto Alegre,
v. 9, nº. 20, p. 439-455, Agosto, 2017.
GUIA politicamente incorreto de História do Brasil.
(Série de Programas). Produção: History Channel,
2017-2018.
LIMITES a Chávez. 2009. Folha de S. Paulo,
Editoriais, 17 fevereiro 2009. Disponível em : < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200901.htm >. Acesso em: 9 julho 2020.
MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer
Simpson: negacionismos e os usos abusivos do passado em tempos de pós-verdade. Revista
História Hoje, v. 8, nº 15, p. 66-88, 2019.
MOURA,
Pedro Marcondes; SEGALLA, Amauri. 50 Anos do Golpe de 1964 -
Todos queriam um golpe. ISTO É, São Paulo, ano 38, nº. 2314, p.
66- 69, abril, 2014,.
NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da
História do Brasil. São Paulo: LeYa, 2009.
NOTA da redação. 2009. Folha de S. Paulo,
Painel do Leitor, 20 fevereiro 2009. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2002200910.htm >. Acesso em: 10 julho 2020.

"Cabe ao pesquisador sempre se questionar “Será que minha família seria capaz de compreender o que eu pesquiso?” caso a resposta seja não, há algo errado." - Concordo, plenamente. A pesquisa possui uma função social. É importante que adote critério científicos que assegurem sua credibilidade. No entanto, é preciso que seja exteriorizada numa liguagem acessível para que as pessoas comuns, na sociedade a compreendam e possam ir se fundamentando, de modo a desenvolverem um raciocínio crítico.
ResponderExcluirExatamente, Luci
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